Arkhip Ivanovich Kuindzhi e o Kuindzhi Art Museum

A invasão russa na Ucrânia tem destruído um grande número de edifícios e, claro está, os de carácter cultural não escapam. Na última semana foi o Kuindzhi Art Museum a fazer manchete dos jornais online, após ter sido atingindo por um míssil.
Embora seja preciso o mal para puxar o tema, é bom conhecer este museu e o pintor que lhe deu nome, Arkhip Kuindzhi, conhecido pelas suas paisagens de carácter Romântico que pinta de um modo, à altura, inovador.

Arkhip Kuindzhi, Pôr-do-sol Vermelho no Dnieper, óleo sobre tela, 1905-1908, The Metropolitan Museum of Art. Fonte: MET.

Ivan Kramskoi, Retrato do Artista Arkhip Ivanovich Kuindzhi, óleo sobre tela, 1872. Fonte: Wikimedia.

Arkhip Ivanovich Kuindzhi nasceu a 15 de Janeiro de 1841, em Mariupol, uma cidade que, na altura, integrava a Rússia e que agora pertence à Ucrânia. Cresceu no seio de uma família pobre e que tinha ascendência russa. Com seis anos, perde os pais e assim é forçado a trabalhar numa igreja para ganhar a vida. Pastava os animais e era vendedor na loja de milho ao mesmo tempo que recebia a sua formação básica por parte um amigo da família que era professor. Depois, ingressou na escola local.

Com 13-14 anos começa o seu ensino no mundo artístico, em Teodósia (Crimeia). É aí que bebe muita da que viria a ser a sua inspiração para os seus trabalhos iniciais, aprendendo com Ivan Aivazovsky (1817-1900). Embora o seu trabalho principal para com esse artista fosse o de misturar as tintas, dele retirou a sensibilidade para pintar a luz de momentos como o pôr-do-sol, tempestades e oceanos agitados. Como se dedicou à pintura de paisagem, estes são elementos cruciais para o que viria a fazer. A nível de técnica de pintura, aprende com Adolf Fessler (1826-1885), aluno de Aivazovsky.
Entre 1860 e 1865 trabalhou como retocador no estúdio fotográfico de Simeon Isakovich, em Taganrog. Esta actividade faz com que tente abrir o seu próprio estúdio, mas sem sucesso.

Parte então para São Petersburgo, onde vai tentar ingressar na Academia de Artes, vendo a sua candidatura recusada por duas vezes. Desta forma, dedica-se a estudar de forma independente.
Mais tarde, em 1868, apresenta a obra Vila Tártara à luz do Luar na Costa da Crimeia e recebe um diploma de artista freelancer, conseguindo finalmente tornar-se aluno da instituição. Termina os estudos em 1872.

A partir de 1870 integra a Sociedade de Exposições Itinerantes de Obras de Artistas Russos, conhecidos como Peredvizhniki ou Os Itinerantes, sociedade essa começa como uma cooperativa que tinha o intuito de protestar contra as restrições académicas. Estuda também de forma independente. Este grupo, que viria a dominar o mundo artístico russo até à década de 1890, era composto por coleccionadores e críticos que se focavam na Arte com um credo Realista. Kuindzhi, no entanto, vias as coisas de modo mais lírico tendo uma interpretação subjectiva de Vida e Arte. Por esse motivo, e após alguns confrontos, abandona o grupo em 1879.

Arkhip Kuindzhi, Lago Ladoga, óleo sobre tela, 1871, Russian Museum. Fonte: Wikimedia.

Arkhip Kuindzhi, Dnieper Pela Manhã, óleo sobre tela, 1881, Galeria Tretyakov. Fonte: Wikimedia.

A sua obra inicial era livre de extremos contrastes luminosos, pois tencionava fugir da óptica decorativa e por isso adoptou uma maior transparência na luz. Dentro das obras que lhe trariam um primeiro reconhecimento, podemos destacar Tempo de Outono (1870), Lago Ladoga (1870) e Na Ilha de Valaam (1873).

Durante o ano de 1873, viaja pela Alemanha, França, Suíça e Áustria, tendo oportunidade de estudar os trabalhos de grandes artistas. No entanto, quando volta, faz algo que não era visto nos museus europeus, fugindo a tudo o que tinha observado durante as suas viagens.

Nos seus trabalhos mais conhecidos e característicos do seu período maduro, quis explorar ainda mais o aspecto luminoso da Natureza, evitando as suas prévias imagens ilusórias ao encapsular a cor e a forma num espírito semelhante ao do estilo francês da época. Daqui resultam obras tanto verticais como horizontais caracterizadas pela sua vista panorâmica que torna o público num pequeno pássaro que a sobrevoa, bem como pelo poder decorativo no modo de espaçar as cores em largas machas contrastantes, conseguindo composições dramáticas do espaço onde combina o Romantismo com o Naturalismo da Escola Russa. Com recurso a cores intensas para efeitos de luz, consegue criar a ilusão de que as suas pinturas contêm efectivamente um elemento luminoso, sendo que muitos verificavam a parte de trás dos seus quadros para confirmar que não havia mesmo uma luz.

Era chamado o “artista da luz” pelo seu amor ao chiaroscuro característico do Barroco e pela forma impressionante como captava a iluminação dos pores-do-sol, da lua e do meio-dia. Embora o seu trabalho lhe valesse a aclamação do público, os seus colegas criticavam as suas cores e efeitos ilusórios ao mesmo tempo que não apoiavam a sua pesquisa Romântica.

Em 1880, organizou uma exposição com uma só obra Luz de Luar no Dhiepr. Esta obra não tinha precedentes na altura e viria a marcar uma característica do seu trabalho: a perspectiva longínqua que faz com que grande parte da tela seja ocupada pelo céu. A lua brilha e a sua luz permite ver alguns contornos das nuvens. Esta luz reflecte-se na água e mostra uma maré calma.

Arkhip Kuindzhi, Luz de Luar em Dnieper, óleo sobre tela, 1880, Russian Museum. Fonte: Wikimedia.

Arkhip Kuindzhi, Elbrus, óleo sobre tela, 1890-1895, Galeria Tretyakov. Fonte: Wikimedia.

Em 1892, torna-se professor da Academia de Artes de São Petersburgo, tornando-se Professor Titular da Oficina de Paisagem dois anos depois, em 1894. Gostava de leccionar e os alunos nutriam uma grande admiração por ele. Porém, não tendo conseguindo sair do espírito de rebelião, é despedido em 1897 por apoiar os protestos dos estudantes. Depois de despedido, continua a ensinar os seus estudantes de modo privado, aos quais financiava viagens pela Europa. Dentro desses alunos podemos destacar nomes como Arkady Rylov, Nicholas Roerich e Konstantin Bogaevsky.
Mais tarde, doa uma quantia significativa à Academia com o intuito de premiar os jovens pintores.

É também por esta altura que decide deixar de expor publicamente as suas obras, algo que veio como uma surpresa para muitos. Talvez esse tenha sido o motivo, mas há quem refira que é provável que não conseguisse lidar com a fama trazida pelo sucesso, enquanto outros dizem que teria medo de fracassar, deixando as suas experimentações para si próprio. Embora deixasse de expor em público, continuou a trabalhar arduamente e apenas os seus familiares e amigos mais próximos podiam ver as suas obras.
Em 1901, quebra o refúgio e mostra algumas obras a amigos e estudantes: Anoitecer na Ucrânia, Agonia no Jardim Getsêmani, Birch Grove (terceira versão) e Dnieper de Manhã. Em Novembro desse ano apresenta a sua última exposição durante a sua vida.

Em 1909, cria a Sociedade de Artistas, com o intuito de apoiar monetariamente artistas.
Quando morre, a 24 de Julho de 1910, em São Petersburgo, deixa todas as suas obras e propriedades à Sociedade que mais tarde é renomeada para Sociedade A. I. Kuindzhi.

Arkhip Kuindzhi, Anoitecer na Ucrânia, óleo sobre tela, 1878-1901, Russian Museum. Fonte: Wikimedia.

Kuindzhi Art Museum. Fonte: LocalHistory.

O Kuindzhi Art Museum é dedicado à vida e obra de Arkhip Kuindzhi e localiza-se em Mariupol por ser a cidade Natal do artista.
A criação do museu foi pela primeira vez sugerida em 1914, sendo que a Sociedade A. I. Kuindzhi pôs em cima da mesa uma possível doação das obras que tinha herdado. Com o início da Primeira Guerra Mundial, a tomada da decisão foi adiada. Já na década de 1960, o assunto volta a ser falado, mas faltavam os fundos para a construção de um museu.

É em 1997 que acontece a doação do espaço onde viria a inaugurar o museu. Uma casa de estilo Art Nouveau construída em 1902 como prenda para Valentina Gadzinova, pelo casamento com Vasily Ivanovich Geocyntov, patrono e fundador da Mariupol Real School.
Depois do golpe Bolchevique de 1917, as propriedades privadas foram nacionalizadas e a partir daí o espaço foi utilizado como biblioteca e arquivo histórico.
Durante a Segunda Guerra Mundial, os invasores pilharam o seu conteúdo, mas o edifício sobreviveu, sendo depois utilizado como armazém de Farmácia.
A renovação do espaço teve início em 2008 com o apoio monetário de vários patronos.

É, finalmente, a 30 de Outubro de 2010 que inaugura o Kuindzhi Art Museum, como ramo do Mariupol Museum of Local Lare. Desde a sua inauguração que tem expandido o espaço expositivo, à medida que se vão conseguindo novos fundos.

A colecção, desenvolvida maioritariamente pelo Mariupol Museum of Local History no século XX, inclui 650 pinturas, 960 trabalhos gráficos, 150 esculturas e mais de 300 objectos decorativos.
De Arkhip Kuindzhi existem fotografias, documentos (como uma cópia do seu certificado de nascimento), objectos pessoais, cartas e algumas cópias de pinturas. Obras originais são apenas três e em modo de estudo: Outono-Crimeia, Elbrus, Pôr-do-Sol Vermelho, todas doadas pelo State Russian Museum of Local History, nos anos 1960.
Contém ainda trabalhos de muitos outros como Victoria Kovalchuk, Vasily Vereshchagin, Ivan Shishkin, Mykola Glushchenko, Tatiana Yablonska, Mykhailo Deregus, Mykola Bendryk, Andrij Kotska, Ivan Aivazovsky e dos artistas contemporâneos Vasyl Korenchuk. Oleksandr Bondarenko, Lyudmila Masalska, Oleg Konalev, Volodymyr Kharakoz, Serhiy Barannyk.

Kuindzhi Art Museum. Fonte: TheArtNewspaper.

Esquerda: Entrada do Kundzhi Art Museum. Fonte: UMoldova.
Direita: Paleta de Arkhip Kundzhi. Fonte: HelenGreenTree.

Arkhip Kundzhi, Pôr-do-sol Vermelho no Dnieper (estudo), óleo sobre tela, não datado, Kundzhi Art Museum. Fonte: HelenGreenTree.

Interior do Kundzhi Art Museum. Fonte: HelenGreenTree.

Mariupol tem sido um dos locais mais fustigados pelos ataques russos na Ucrânia.
No dia 21 de Março de 2022, a Câmara Municipal da cidade reportou que o Kundzhi Art Museum foi destruído por um ataque aéreo russo. Konstantin Chernyavsky, director do Sindicato Nacional dos Artistas Ucranianos, disse que os trabalhos originais de Kundzhi já não se encontravam no espaço, apenas cópias de obras de Andriy Yalansky e Oleksandr Olkhov. Quanto aos originais dos restantes artistas, nada se sabe.

Arkhip Kundzhi foi, à sua época, russo. Apesar de demonstrar admiração pela terra e pela população ucraniana, o modo como as cidades e os países estavam divididos na altura não lhe atribuía outra nacionalidade.
Com a guerra que tem assolado a Ucrânia neste último mês, são muitos os exemplos de locais e objectos de proveniência russa que têm sido destruídos ao longo do caminho. Coisas que os ucranianos sempre guardaram por saberem fazer parte da sua História.
Resta desejar que tudo se consiga reerguer da mesma forma como ruiu.

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