Museu Quinta de Santiago | Leça da Palmeira

O Museu Quinta de Santiago apresenta-se num edifício histórico que nos mostra as transformações urbanísticas que decorreram na zona de Matosinhos e Leça da Palmeira entre o final do século XIX e durante o século XX.
Pertencente à família Santiago, partiu como sendo uma casa de veraneio, mas acabou por se tornar a residência permanente da mesma, tal era o encanto pela zona onde se insere. Uma habitação burguesa num estilo revivalista e eclético, muito ao gosto da época, com elementos neo-medievais, renascentistas e barrocos que criava, assim, uma atmosfera característica dos ambientes interiores de finais do século XIX.

Uma comunhão entre o passado e o presente que permite estabelecer uma ponte entre quem o visita com a História e a Arte da época, e sobre a qual podem ficar a saber um pouco mais no presente artigo.

Comecemos a história desta casa e deste Museu pelo início: a família Santiago.

João Santiago de Carvalho e Sousa foi um fidalgo nascido em 1854, no Porto, com raízes em Guimarães, onde viria a falecer em 1930. Foi deputado às Cortes em 1906.
D. Maria Carolina Magalhães nasceu em 1861 e era filha de um abastado industrial do algodão, da zona de Cedofeita. Em 1885, aos 24 anos, casa com João Santiago de forma secreta, devido aos diferentes estatutos sociais que apresentavam.
Em 1888, nasce o que viria a ser o único filho do casal, Dinis Maria Jerónimo de Santiago Carvalho Magalhães, que tinha oito anos quando se mudaram para a quinta. Pôs a escola de lado, seguindo a carreira militar como alferes miliciano do exército, cargo que ocupou durante vários anos. Casou aos 40 anos e morreu cinco anos depois sem deixar descendência.

É esta família de dimensões modestas que habita o palacete construído numa propriedade de D. Maria Carolina. É o próprio João Santiago quem manda construir a casa e que desenha os seus esboços, fazendo-se valer do seu bom gosto pela Arte e pela Engenharia – este envolvimento do proprietário é muito comum no período romântico, fazendo com que os arquitectos tivessem que se moldar aos seus pedidos e exigências.
O projecto para este edifício ficou a cargo de Nicola Bagaglia, um arquitecto italiano com domínio da linguagem clássica e ornamental que estava radicado em Portugal desde a década de 1880. Ocupa o país numa altura em que se verifica uma marcada escassez de arquitectos locais, algo que acontece devido aos inúmeros pedidos para restaurar ou construir palácios urbanos, bem como, e tal é o caso da Quinta de Santiago, luxuosas moradias balneares.
A construção do edifício ficou concluída por volta de 1896, sendo na altura designado por “Quinta de Villa Franca”, numa alusão ao local onde se encontrava.

Como mencionado, a ideia original era a de que este palacete deveria servir como casa de férias, sendo construída numa das zonas de veraneio mais concorridas na época – Matosinhos/Leça da Palmeira. A família possuía até então uma outra habitação, o Paço de S. Cipriano em Tabuadelo, Guimarães, a que deveria ter permanecido como residência oficial durante o resto do ano e a qual nunca abandonaram.

A área onde se encontra a Quinta de Santiago foi testemunha das transformações de que a cidade foi alvo ao longo do século XX, sendo uma das mais notórias a construção do Porto de Leixões, inaugurado em 1938.
A cidade serviu também como ponto de encontro para poetas, músicos e pintores. Era, na altura, uma zona “da moda” para os mais abastados, a dita burguesia, se refugiar para “ir a banhos”, como se dizia então. Porque as casas de veraneio, marcadas pela extravagância das suas construções e decoração, eram isso mesmo: refúgios que marcam uma interrupção no calendário que serve somente para descansar e aproveitar o que está ao redor, como a Natureza.

A casa foi habitada até meados do século XX. Dinis morre quatro anos após o pai, em 1934 e D. Maria Carolina fica a residir no local apenas com os funcionários, acabando por abandonar a casa mais tarde, vindo a falecer também em Guimarães, em 1954.

António Teixeira Lopes, Busto de Dinis Santiago, mármore branco polido, 1897.

Enquanto Museu Quinta de Santiago, este espaço inaugurou em 1996, após ter sido doado à Câmara Municipal de Matosinhos em 1968 e alvo de recuperação e adaptação a espaço museológico, durante a década de 1990. Esta intervenção foi conduzida pelo arquitecto Fernando Távora (1923-2005), fundador da Escola do Porto/Faculdade de Arquitectura do Porto, onde se formaram alguns dos mais conceituados arquitectos portugueses.

O Museu integra a MuMA, a Rede de Museus de Matosinhos, tendo sido um dos núcleos fundadores da mesma. Integra ainda, desde 2003, a Rede Portuguesa de Museu e é, desde 2007, membro do ICOM.

Ainda em 2007, foi necessário uma nova intervenção, pois o espaço começava a ressentir-se dos vários visitantes que recebia. Assim, foi desenvolvido um projecto das arquitectas municipais Graça Diogo e Ana Crista acompanhadas de uma proposta museológica da equipa do Museu e ainda trabalhos de conservação e restauro levadas a cabo pela empresa “Oficinas Santa Bárbara”.

Para acabar esta pequena cronologia, é de referir que, desde 2010, o Museu é constituído por três edifícios: o próprio Museu; o Espaço Irene Vilar dedicado aos serviços educativos e que inclui um auditório polivalente; a Casa do Bosque onde se encontra a Cascata Gigante, construção de José Moreira que representa Leça da Palmeira nos inícios do século XX e doada pelo próprio.

Preservar e divulgar a memória de Matosinhos e Leça da Palmeira através da Arte é a missão central deste Museu tutelado pela autarquia de Matosinhos e inaugurado em 1996.

– Câmara Municipal de Matosinhos.

Todas as obras de renovação levadas a cabo ao longo dos anos centraram-se em permitir que a Quinta de Santiago se mostre agora tal como era na época, mantendo os estilos decorativos da mesma.

O edifício de grande interesse arquitectónico apresenta uma variedade de elementos estruturais e decorativos, sendo possível distinguir através deles quais as divisões utilizadas pelo marido e quais as destinadas à esposa, havendo uma diferenciação não só entre tons mais escuros, como verde e castanho, e tons mais suaves, como rosas e branco, aliados a muito brilho; mas também nas formas e móveis que decoram cada espaço, sendo que os masculinos apresentam um ar mais maciço e robusto com a utilização de muita madeira e características medievais, enquanto os femininos estão revestidos de luz e suavidade com paredes em tecido, imagens evocativas a alegorias e anjos e ainda móveis delicados que não se sobrepõem ao espaço.

A casa divide-se em quatro andares, sendo que o piso térreo onde se situava a cozinha, as arrecadações, os quartos dos funcionários masculinos e a carvoaria, e que hoje em dia se assume como cafetaria do Museu, e as águas furtadas, anteriormente destinadas aos quartos das funcionárias e dos casais e que hoje albergam os serviços administrativos do Museu, não são possíveis de visitar.

O segundo piso corresponde à entrada principal e nele podemos ver dois salões, a sala de jantar e o jardim de Inverno destinado à recepção dos visitantes e encontros sociais. Ensaiado com uma reconstituição próxima do ambiente que se vivia na época, cada sala apresenta um estilo diferente entre elementos medievais, de estilo holandês, estilo Luís XVI e ainda aspectos da Arte Nova, todas elas características originais de uma casa de veraneio do século XIX.
No salão Luís XVI, destinado a D. Maria Carolina, somos levados para cenas de baile e vestidos rodopiantes, para encontros sociais que pedem o mais belo serviço de chá. A sua decoração é à base de estuques decorados com elementos inspirados na Grécia Antiga, marcando este estilo neoclássico. Há ainda uma janela saliente que cria uma ligação ao exterior sem sair de dentro da casa, dando um ambiente bucólico à divisão.
A sala de jantar no seu tom medieval transporta-nos para o fim de um dia passado a caçar e cujo javali apanhado por Dinis (que tinha como uma das suas actividades favoritas caçar) figurará no centro da mesa. Ainda nesta linguagem decorativa temos, por exemplo, a galeria principal ao gosto medieval e senhorial com a inclusão de um cavaleiro, pintado nas bandeiras da porta que dão acesso às escadas de serviço, que no seu escudo inclui um “S” de Santiago. Uma linguagem adequada ao homem da casa e que mostra elementos zoomórficos estilizados, como leões, dragões, aves e ainda hastes com folhas, um vitral e ainda trabalhos de madeira em baixo-relevo.
A divisão dos espaços pertencentes a João Santiago e a D. Maria Carolina é marcada mesmo em portas que servem ambos, com os painéis e as maçanetas decorados conforme a divisão à qual de aplicam.

Salão Luís XVI.

Sala de Jantar.

Esquerda: Jardim de Inverno.
Direito: Galeria principal.

Na Quinta de Santiago existem duas escadarias distintas: uma para a família; outra para os criados poderem executar todos os seus afazeres sem atrapalhar a vivência da casa. Os funcionários tinham ainda portas próprias que davam acesso da cozinha à sala de jantar, as quais estão camufladas nas paredes, de modo a não interferirem com a decoração e a não serem chamativas para quem visita.

O terceiro piso era destinado aos quartos, quartos de vestir e espaços para higiene básica. Hoje em dia, assume-se em salas para exposições temporárias de média e longa duração, dando primazia à colecção municipal que abrange peças do século XIX ao século XXI, não se limitando às da época de habitação da casa. António Carneiro (1872-1930), Agostinho Salgado (1905-1967) e Augusto Gomes (1910-1976) são os artistas que mais vezes ocupam este espaço, mas há também lugar para artistas como Aurélia de Souza (1866-1922) e Joaquim Lopes 1886-1956). Interessa o expor artistas da zona e/ou que tenham pintado as paisagens, o quotidiano, os costumes e as gentes que por ali habitavam e habitam.
No andar dos quartos toda a decoração é mais consistente, seguindo a linha neoclássica, com motivos florais a decorar os tectos, as paredes e os móveis que compõem as salas.

De momento, este andar acolhe a exposição Do Que Vejo. Aurélia de Souza inserida nas celebrações do centenário do falecimento da artista. A mostra divide-se em vários núcleos, desde o retrato, as naturezas-mortas, a pintura de interior (com primazia à sua Casa, a Quinta da China) e de exterior (pintando muito a zona que habitava, mas também os locais que visitava em Portugal e no estrangeiro).
Com esta exposição, patente até ao dia 16 de Outubro, podemos ver como Aurélia de Souza ia muito para além dos retratos e das flores que geravam uma boa parte do seu rendimento, sendo que nos são dadas algumas luzes sobre o seu trabalho no campo da Fotografia, algo que ainda não foi estudado até ao mais detalhado pormenor.
É uma exposição de sensações, de passeio, mas também de muita familiaridade, ou não fossem as mulheres da vida de Aurélia – a mãe, as cinco irmãs e as sobrinhas – quem mais aparece nos seus quadros. As suas obras jogam na perfeição com as salas do andar expositivo do Museu Quinta de Santiago, parecendo que sempre ali estiveram.

Esquerda: Aurélia de Souza, Paraíso Perdido, óleo sobre tela, não datado. Colecção particular.

Esquerda: Aurélia de Souza, Flores, livros e um copo com água, óleo sobre tela, não datado. Câmara Municipal de Matosinhos.
Centro: Aurélia de Souza, Vaso e Uvas, óleo sobre tela, não datado. Câmara Municipal de Matosinhos.
Direita: Aurélia de Souza, Vaso com malmequeres, óleo sobre tela, não datado. Câmara Municipal de Matosinhos.

No exterior, a Quinta de Santiago é envolvida por uma grande mancha verde, a qual se torna um chamariz para os visitantes. Através da ligação entre-quintas, o jardim que rodeia a casa estende-se ao Porto de Leixões (o qual é visível para lá dos muros) e à Quinta da Conceição.
Por lá podemos encontrar esculturas de Álvaro Siza Vieira (n. 1933), Rui Anahory (n. 1946), Lagoa Henriques (1923-2009) e Margarida Andrade (n. 1980).

Uma visita ao Museu Quinta de Santiago é, sem dúvida, uma passeio ao passado e os seus vários estilos decorativos conseguem transportar-nos para épocas distintas. Vão encontrar uma sala para todos os gostos e demorar algum tempo a reparar em todos os pormenores que estão à espreita em casa uma delas.
Um espaço que, apesar de pouco preenchido a nível de mobiliário, não quer apagar a memória dos que a construíram e habitaram, contando a sua história ao mesmo tempo que mostram os que então e agora se dedicaram a representar esta zona na sua Arte. O legado material da família Santiago tem, assim, continuidade.

Esquerda: Lagoa Henriques, Grupo Escultórico, bronze, não datado. Depósito do Grupo BPI.

O Museu Quinta de Santiago pode ser visitado nos seguintes horários: De Abril a Setembro, de Terça-Feira a Domingo, das 10h às 13h e das 15h às 18h; e de Outubro a Março, de Terça-Feira a Sexta-Feira, das 10h às 13h e das 15h às 18h; Sábados, Domingos e feriados das 15h às 18h.
O Museu tem uma série de actividades das quais todos podem usufruir, sendo que há algo para todas as idades e interesses. A inclusão é ainda uma vertente forte, havendo, por exemplo, a realização de visitas guiadas em Língua Gestual Portuguesa.
O valor da entrada é de 1€ (sem terminal de multibanco).
Para mais informações: Museu Quinta de Santiago.

Referências:
Visita ao Museu Quinta de Santiago;
Câmara Municipal de Matosinhos – Museu Quinta de Santiago;
Facebook – Museu Quinta de Santiago;
Portugal Please – Casa e Museu da Quinta de Santiago – Leça da Palmeira;
World’s Best Fish – Museu Quinta de Santiago;
Visit Portugal – Museu da Quinta de Santiago – Centro de Arte de Matosinhos;
Leça da Palmeira – Museu e Quinta de Santiago – Leça da Palmeira;
DGPC- Museu da Quinta de Santiago;
Meer – A Colecção habita a Casa – Exposição no Museu da Quinta de Santiago, Leça da Palmeira, até 21 de Maio.

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