Vida e Segredo – Aurélia de Souza 1866-1922 | Museu Nacional de Soares dos Reis

No passado dia 24 de Novembro, o Museu Nacional de Soares dos Reis inaugurou a tão esperada exposição de evocação a Aurélia de Souza, no ano em que se assinala o centenário da sua morte: Vida e Segredo – Aurélia de Souza 1866-1922, comissariada por Maria João Lello Ortigão de Oliveira e com o mecenato da Fundação BPI la Caixa.
Como não poderia deixar de ser, o proximArte já visitou a mostra, sobre a qual podem saber um pouco mais no presente artigo.

Como mencionado, Vida e Segredo – Aurélia de Souza 1866-1922 é uma exposição que surge no ano em que se assinalam os 100 anos da morte da artista e nasce depois de um apelo para que coleccionadores públicos e privados contactassem o Museu portuense sobre as obras da pintora presentes nas suas colecções. Desta recolha de dados, que revelou um ou outro tesouro escondido, havendo peças que não são mostradas em público há várias décadas, resultará ainda a publicação de um catálogo raisonné, com lançamento previsto para Junho de 2023. Para este catálogo foram já identificadas cerca de 400 obras.

Nas cerca de 70 obras de Aurélia de Souza que compõem a exposição, vemos exactamente essas duas vertentes de coleccionismo, com peças emprestadas pelos mais variados museus, sendo que algumas das obras pertencem ao próprio Museu Nacional de Soares dos Reis, e outras cedidas por coleccionadores privados, dos quais muitos permanecem anónimos.

Daí o título Vida e Segredo ser possível de aplicar às obras apresentadas – há aquelas que já todos conhecemos e que nos vêm imediatamente à memória quando falamos de Aurélia de Souza, mas também outras que não são normalmente expostas e que não tinham sequer sido de conhecimento geral – segredos que estavam por aí escondidos e que são tão importantes de descobrir. “Segredo”, porque, na verdade, não há assim muita coisa que se saiba sobre o lado pessoal da vida de Aurélia de Souza – algo para que a destruição dos seus diários e as poucas cartas telegráficas que restam não contribuem muito. “Vida”, porque era o que pintava, desde os momentos da sua família na Quinta da China, as viagens, as pessoas da rua e do dia-a-dia, as naturezas-mortas (que, apesar do nome, nos são apresentadas com uma explosão de vida, fruto das cores e texturas utilizadas) e os seus auto-retratos e retratos que nos mostram mais do que pessoas, sentimentos e uma entrada para a alma dos representados através do olhar – principalmente no da própria Aurélia, cujos olhos, apesar das mais variadas expressões, se apresentam sempre brilhantes.

Aurélia de Souza, Auto-retrato, óleo sobre tela, c. 1900. Museu Nacional de Soares dos Reis.

Aurélia de Souza, Auto-retrato, óleo sobre tela, c. 1900. Museu Nacional de Soares dos Reis.

“Este percurso está dividido em quatro grandes áreas (…). Elas abrangem, dentro dos limites físicos de um espaço museal, o mundo visível de uma mulher artista tão radical quanto secreta.”

Estas quatro grandes áreas dividem-se da seguinte forma:
* Vidas/o retrato – núcleo onde podemos ver alguns dos retratos que Aurélia de Souza pintou lado a lado com retratos de seus contemporâneos, mostrando-nos as semelhanças e diferenças entre eles;
* Espaços/o intimismo – o qual se foca sobretudo nas cenas que a pintora apanhou das mulheres da sua família nos seus afazeres na Quinta da China. Vemos ainda algumas obras da irmã, Sofia de Souza, permitindo-nos perceber a influência que ambas tinham uma na outra, tanto na temática como no modo de pintar;
* Temas/pluralidade de géneros – sem dúvida o núcleo mais abrangente e que mostra desde momentos familiares passados no jardim da Quinta da China, a cenas do quotidiano e de rua, registos de algumas das suas viagens e ainda as naturezas-mortas às quais o seu interesse fugia, mas que eram ao mesmo tempo a sua maior garantia de rendimento;
* Cores/auto-retrato e auto-representação – a sua face está a lado com a da irmã. Todos estes quadros aliam uma espécie de camadas claras-escuras (sendo o claro as faces e raramente o plano de fundo, local que cabe normalmente ao escuro) a manchas de outras cores que nos fazem relembrar o quadro por esses pormenores, aliados às expressões que nos parecem quase sempre de incredulidade ou de serenidade;

Aurélia de Souza, Retrato da Mãe da Artista D. Olinda Perez de Souza, óleo sobre tela, c. 1916. Acervo do Museu da Cidade – Casa Marta Ortigão Sampaio.

Esquerda: Sofia Martins de Souza, Cena Familiar, óleo sobre tela, 1911. Colecção Particular.
Direita: Aurélia de Souza, Cena Familiar, óleo sobre tela, 1911. Museu Nacional de Soares dos Reis.

Aurélia de Souza, O Pobre da Semana, óleo sobre tela, não datado. Colecção Particular.

Aurélia de Souza, Auto-retrato, óleo sobre tela, não datado. Colecção Particular.

Com temas diferentes ou semelhantes, o elemento comum à obras expostas e assinadas por Aurélia é o seu estilo característico que não se identifica a 100% com nenhuma das estéticas da altura, sendo que ao Naturalismo que ditava a norma portuguesa da época junta influências realistas, impressionistas e pós-impressionistas. As suas paletas cromáticas vibrantes são também parte da sua imagem e que nos permitem o espanto ao ver uma obra como Cozinha Holandesa.

Sendo Aurélia de Souza alguém tão reservada, tão secreta, faz sentido ver a cronologia desta exposição mostrar elementos para lá dos referentes à vida da artista. Nesta parede tão detalhada podemos ler factos históricos de Portugal e do mundo; morte e nascimento de outros artistas; dados relativos ao mundo das exposições e avanços artísticos; obras que alguns colegas trabalhavam e apresentavam. Temos, assim, uma visão bastante alargada do mundo do qual Aurélia fez parte; o mundo de mudanças e de velocidade que a viu crescer enquanto mulher e artista.

Aurélia de Souza, Trabalhando, óleo sobre tela colada em cartão, não datado. Colecção Particular.

Aurélia de Souza, Flores, óleo sobre tela, não datado. Casa-Museu Teixeira Lopes/Galerias Diogo de Macedo.

Aurélia de Souza, Cozinha Holandesa, óleo sobre tela, não datado. Colecção Particular.

Tal como vemos num texto de sala, a obra de Aurélia aparece-nos num ambiente que evoca o seu tempo, longe do cubo branco dos museus de hoje e do qual as telas da artista não encaixariam e por isso cada núcleo vê as suas obras penduradas em paredes de cores variadas.
É como se visitássemos um salão no século XX e é assim que faz sentido absorver as imagens de Aurélia de Souza, que mesmo quando agrupadas conseguem respirar individualmente ao mesmo tempo que nos permitem olhares rápidos para descobrir os toques característicos da pintora em cada uma delas.

É uma exposição que pede que nos demoremos de modo a absorver tudo. Conviver com os auto-retratos e os retratos; fazermo-nos de convidados na Quinta da China, tanto no interior como no exterior; acompanhar Aurélia pela rua e beber das suas paisagens e cenas que via, permitindo-nos ver o seu lado de preocupação com os mais vulneráveis, preferindo sempre retratá-los ao invés da classe alta; sobra ainda tempo para parar e cheirar as flores com o olhar de modo a vermos todas as manchas coloridas que as compõem. Uma exposição que nos permite entrar um pouco mais no ser de Aurélia de Souza, uma mulher que se afirmou como um dos nomes marcantes da Arte nos séculos XIX e XX ao pintar não só a sua memória individual, mas também uma vivência de memória colectiva com que muitos se conseguem relacionar, trabalhando algumas das principais temáticas que marcaram a Arte do século XX.

Há uma grande probabilidade de, tal como esta que vos escreve, saírem desta exposição com uma nova obra favorita.

Vida e Segredo – Aurélia de Souza 1866-1922 é uma exposição que podem visitar até 21 de Maio de 2023. Durante o este período há um programa evocativo com várias actividades a acontecer no museu e anunciadas oportunamente.
O Museu Nacional de Soares dos Reis está aberto de Terça-Feira a Domingo, das 10h às 18h.
A entrada tem o custo de 3€, sendo agora apenas possível visitar as exposições temporárias, pois a exposição de longa duração ainda não reabriu. Aos Domingos o ingresso é gratuito até às 14h para residentes em Portugal.
Para mais informações: Museu Nacional de Soares dos Reis.

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